terça-feira, julho 06, 2004

Hermann Hesse e O Caçador

Outro dia meu irmão, Tuninho, disse que gostou bastante de “O Caçador”, mas que notou uma mudança de tom do meio para o fim, uma vez que, no início, o personagem passa por uma série de peripécias, como em uma obra típica de fantasy fiction, mas depois entra numa jornada que é mais uma busca de visão do que uma aventura. Tuninho discorreu um bocado sobre isso (não vou entrar em detalhes para não estragar a surpresa de quem não leu), e em dado momento comparou o personagem ao Sidarta, de Hermann Hesse. Eu nunca havia estabelecido esse paralelo, mas o achei muito interessante... principalmente porque, se tivesse que fazer uma lista de meus dez autores preferidos, seguramente incluiria Hesse, embora haja outros dentre seus livros dos quais gosto mais do que Sidarta. E como andava com saudade de fazer um artigo como os de antigamente para a Estante... bom, lá vai alguma coisa que eu descobri a respeito de


HERMANN HESSE (1877 – 1962)

Nascido na cidade de Calw, na região da Floresta Negra, Hermann Hesse era filho de um casal de ex-missionários na Índia, os quais esperavam que o filho seguisse seus passos. Hesse, contudo, foi expulso do seminário protestante, e após uma série de experiências malsucedidas acabou por deixar os estudos. Em Tübingen (onde esteve recentemente a Mariana, do blog Alemanha, aí vou eu!), ele se filiou ao círculo literário Le Petit Cénacle e adotou a determinação de se tornar um escritor. Seu primeiro trabalho literário foi publicado em 1899, e em 1904 ele se tornaria um escritor freelancer com a publicação do romance Peter Camenzind.

Em 1911, Hesse visitou a Índia, onde entrou em contato com as mitologias, religiões e filosofias locais (tudo na Índia tem que ser no plural) em que basearia o romance Sidarta, publicado em 1922. Tal como várias das obras posteriores do autor, essa mostra a jornada do herói em busca da iluminação e do autoconhecimento, refletindo, ao mesmo tempo, a jornada pessoal de Hesse, que, durante vários anos, submeteu-se à análise conduzida pelo Dr. J. B. Lang, assistente de Carl Jung.

Durante a Primeira Guerra, Hermann Hesse combateu o militarismo e o autoritarismo, sendo por isso julgado um traidor em sua pátria. Em 1919 ele publicou Demian, que refletia o interesse do autor nas teorias de individuação de Jung. Pessoalmente, considerei o personagem fascinante e o livro, maravilhoso, tanto que, assim que pude, o compartilhei com meu amor: Demian foi o primeiro livro e o primeiro presente que dei ao João.

Na mesma trilha da busca do autoconhecimento, Hesse publicou, em 1927, O Lobo da Estepe, o qual, assim como Sidarta, se tornaria um livro-ícone da geração beat e, posteriormente, dos hippies. Nesse período, ele também escreveu A Metamorfose de Piktor, uma obra de fantasia que, posteriormente, seria incluída num livro chamado Os Contos de Fadas de Hermann Hesse (o qual, me parece, não foi traduzido no Brasil). Hesse publicou também versões literárias de Histórias Medievais, estas sim publicadas aqui e recentemente relançadas pela Editora Record, além de contos, romances, como Narciso e Goldmund, e vários livros de ensaios.

Mas dentre todas as obras de Hermann Hesse, a mais incrível de todas, na minha opinião, é O Jogo das Contas de Vidro, publicado em 1943. A história se passa no futuro, na província imaginária de Castália, uma comunidade intelectual (e elitista) na qual a Música e a Matemática são valorizadas como linguagens através das quais pode-se chegar a uma espécie de perfeição (ai de mim, que sou terrível nas duas!). Nesse universo protegido, o Jogo das Contas de Vidro que dá título à obra é um sistema que integra as diversas Ciências e transmite o conhecimento através de uma espécie de secreta metalinguagem (gostaram? Hehehe).

O herói do livro, Joseph Knecht (a tradução do nome seria José Servo), é visto como um possível sucessor para o Mestre do Jogo, Thomas van der Trave (alusão a Thomas Mann), o que realmente vem a acontecer após alguns anos se dedicando ao sistema. Knecht permanece durante mais uma década como Magister Ludi, até que se dispõe a deixar o cargo, a fim de abraçar uma existência mais em conformidade com suas demandas pessoais e com a crença em ajudar ao próximo (fora do ambiente “controlado” de Castália). O fim da história em não conto... mas conto, isso sim, que é um livro sensacional, que inclui não apenas a história “presente” de Knecht mas também alguns de seus maravilhosos poemas acerca do conhecimento e a narrativa de três vidas, ou existências anteriores, sendo uma numa sociedade tradicional, onde ele é uma espécie de xamã ou fazedor de chuva. E vocês que me conhecem podem imaginar... Eu quase não me apaixonei por esse Servo da Pré-História...! ;)

Pois é, mas houve quem não gostasse... Os Nazistas não concordaram com a publicação do livro, que, por isso, teve sua primeira aparição na Suíça. Ele valeu a Hermann Hesse o Prêmio Nobel da Literatura de 1946 e é, ainda hoje, lido e cultuado por gente do mundo inteiro, embora não seja tão conhecido quanto outras obras, como Sidarta e O Lobo da Estepe.

Boa parte da obra de Hesse foi lançada no Brasil pela Record (Sidarta tem inúmeras edições) e muitos livros foram relançados na década de 90. A edição mais recente de O Jogo das Contas de Vidro que conheço é de 1995, mas tenho a impressão (posso estar lamentavelmente enganada) de que ele saiu por uma dessas coleções de bancas de jornal. Ao contrário de outros livros do autor, essa não é uma obra fácil de encontrar em sebos, mas se alguém achar... não deixe de comprar, vale realmente a pena!

Até mais!

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