segunda-feira, maio 01, 2017

Sobre Livros e Amizade



          Pedem-me para escrever sobre a amizade e os livros. Por onde começar?
          Há muito a dizer e vários caminhos possíveis. Eu poderia falar sobre a amizade retratada em textos literários, desde Enkidu & Gilgamesh a Sawyer & Finn, Holmes & Watson, Frodo & Sam, sem esquecer os eternos e complementares Sancho & Quixote. Indo por outra vereda, poderia falar sobre a amizade aos livros, aquela que marcou a infância de tantos escritores e acabou se refletindo em suas obras. Ou sobre o colecionismo... Quem sabe?
           Entre tantas opções, escolhi não falar sobre a amizade atribuída por um autor a seus personagens, nem pelo laço criado entre o livro e seu leitor ou possuidor. O que celebro aqui são as amizades entre pessoas de carne e osso, construídas a partir do interesse por livros. Ou melhor, pelo amor às histórias contidas em suas páginas.
           Tenham em mente que hoje isso é bem mais fácil do que já foi. Onde quer que esteja, um jovem que goste de ler – ou de escrever, ou de ambos – só precisa digitar algumas palavras para encontrar pessoas que compartilhem seus livros, séries e personagens favoritos. Para mim foi mais difícil: corriam os anos 1980, quando tudo dependia de estar nos lugares certos (aos quais nem sempre se tinha acesso) e achar as pessoas certas (que você nem sabia se existiam). Ler, portanto, era um ato muitas vezes solitário, e escrever quase sempre um passo para a exclusão social. E para quem, como eu, nasceu querendo contar histórias, a solidão não é algo fácil de suportar.
            Assim, dá para imaginar a alegria que era encontrar, nem digo escritores, mas leitores com preferências afins. Vocês sabem como é, já devem ter passado por isso: aquela coisa de conhecer alguém, ir assuntando, de repente se aproximando devagar: você também está lendo essa série? O que mais conhece no gênero? Autores nacionais, algum? Eu podia te emprestar... Enfim, começa por aí, o resto vai-se construindo como em qualquer amizade. E as que começam através da literatura têm bases sólidas.
            Falo sobre livros com a grande maioria dos meus amigos. Na verdade, até mesmo com os que não gostam de ler: em nossos outros assuntos, cinema, viagens, maternidade, sempre acabo encaixando uma referência, uma citação de autor ou personagem. Outros leem não-ficção, de que também gosto, dependendo do assunto. Na biblioteca onde trabalho, muitos papos iniciados no campo da História ou da Arqueologia levaram a conexões literárias. O círculo se amplia com os que leem ficção realista e se abre com possibilidades infinitas ao pensar nos que partilham meu gosto por literatura fantástica. Alguns deles são pessoas que encontro com certa frequência, outras raramente; com muitas travei contato pelas redes sociais e nunca tive o prazer de encontrar ao vivo e a cores. Não importa: estejam próximos ou não, estamos ligados pelos livros, pela fantasia, por uma teia elástica e inquebrantável em cujos fios se inscrevem todas as palavras do mundo.
             Que ela possa crescer cada vez mais, tecendo novas histórias e unindo amigos que ainda não se conhecem.

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