segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A de Ana Terra

Oi, Pessoas! Tudo bem?

Estive por vários dias me preparando para escrever este post. Não no sentido acadêmico - não tomei notas, não li estudos ou resumos e, fiel ao que me propus, nem mesmo abri meu exemplar do livro -, mas sim no que concerne ao fator emocional. Isso porque o primeiro personagem desta série, a Ana Terra de Veríssimo, dá seu nome a uma obra que mexeu muito comigo, e que propiciou inúmeras descobertas e reflexões. Sem falar nas tentativas literárias, que foram um fracasso, mas importantes mesmo assim. Mas disso vou falar quando chegar a hora.

Meu primeiro contato com a obra de Veríssimo se deu através de Gente e Bichos, quando eu tinha seis ou sete anos, passou pelo Tibicuera e prosseguiu, previsivelmente, com Clarissa e Música ao Longe. Não tínhamos, então, os outros livros da série, nem tampouco O Tempo e o Vento, saga da qual Ana Terra faz parte. Mas, quando eu tinha dez ou onze anos, apareceram em casa - não sei se compradas ou oferecidas pela editora a meu pai, como acontecia naquela época - dez ou doze brochuras publicadas pela Globo de Porto Alegre. Algumas eram traduções, como o Admirável Mundo Novo de Huxley, mas a maioria era de autores gaúchos, e havia várias de Veríssimo. Ana Terra foi uma das primeiras que li, e uma das poucas leituras que compartilhei com minha irmã. Sorte a minha! Com tantos questionamentos, tanta emoção suscitada por aquele livro, o que seria de mim se não tivesse alguém com quem comentá-lo?

Ana Terra foi lido num só dia, mas relido inúmeras vezes, na íntegra ou não, até que eu assimilasse tudo que trazia de novo. Para começar, o universo era bem diferente do que eu conhecia, e minhas noções de tempo e espaço eram precárias, de forma que era tão fácil imaginar o pampa gaúcho do século XVIII quanto uma paisagem na Lua. O contexto histórico era completamente desconhecido - tudo bem, eu sei o que é um castelhano, mas e um continentino? - e o sentido de palavras como sanga, coxilhas e tordilho teve que ser decifrado. Por fim, seguindo a descrição do autor e umas poucas referências, acabei por conseguir visualizar uma imensa planície verde, com grama alta que o vento nunca cessava de fazer ondular. Nesse lugar selvagem, um tanto fantasmagórico, eu me encantei e me emocionei com a história de Ana, uma mulher forte e endurecida pela vida - para sobreviver, tinha que ser assim - mas que, no fundo, jamais perdeu sua ternura.

O livro e o personagem se prestam a muitas interpretações, a maior parte traçando um paralelo entre a história de Ana e a do Rio Grande do Sul - representando-a, enfim, como uma pioneira - mas nada disso fazia sentido para mim naquela época. O que me tocou, além da paisagem "mágica", foi a narrativa, fluente e sóbria e saborosa, e também as relações humanas, tão diferentes daquelas que eu vivia no dia-a-dia. Além disso, como era de se prever, eu me apaixonei por Pedro Missioneiro, e fiquei inconsolável quando ele morreu. Inconsolável e revoltada, pois, se ele sabia o que aconteceria, por que não fugiu com a Ana? E ela, por que aceitou que o pai e os irmãos o matassem? Eram perguntas que eu fazia a minha irmã e que ela respondia, vagamente, com argumentos a respeito da sociedade da época (quando estava com paciência) ou dizendo que o Pedro não batia bem da cabeça (quando não estava). De qualquer maneira, eu não me conformava com aquilo, e lia e tornava a ler os trechos em que aparece o casal - muitos dos quais sabia de cor, e sei até hoje -, imaginando que eles agiam de forma diferente e ficavam juntos.

E foi aí que eu comecei a escrever minha própria versão da história.

Não foi exatamente como uma fan fiction. Eu não usei os personagens de Veríssimo, apenas me inspirei neles para criar os meus. Algumas coisas ficaram - por exemplo, um dos protagonistas, meio índio como o Missioneiro, tinha também um punhal de prata - mas, de modo geral, eles se desenvolveram de forma independente. Modéstia à parte, criar personagens nunca foi o meu problema. Situá-los... bom, isso era mais difícil, ainda mais quando eu conhecia tão pouco sobre o tempo e o lugar. Mas eu estava empolgada e fui em frente. Em obras de referência e em autores como Simões Lopes Neto (de Contos Gauchescos e Lendas do Sul - aliás, outra daquelas brochuras), tentei conseguir um pouco mais de base para o que eu chamava de "romance histórico", e que era, na verdade, um tremendo folhetim, pessimamente escrito ainda por cima. Não lembro quem foram os primeiros personagens, nem como a história foi sendo construída, mas, para resumir, tratava-se de uma família - os Torres - que tinha uma estância em algum lugar no meio do pampa e que se envolvia em episódios da Guerra dos Farrapos. Naturalmente, li um pouco sobre a guerra, sobre o lugar, sobre os costumes, mas quaisquer pretensões de "realismo" desmoronavam diante dos diálogos e do roteiro. Nesse, eu me lembro, havia um pouco de tudo. Senhor apaixonado por escrava? Tinha. Filho que procurava mãe e mãe que procurava filho? Também. Gravidez indesejada? Tinha. Tinha tudo, no melhor estilo do novelão. Felizmente, nenhuma daquelas (literalmente) maltraçadas linhas sobreviveu à autocrítica. Juro que eu voltaria para puxar o pé do descendente que as publicasse!

A saga da família Torres ocupou meus pensamentos e minhas horas vagas durante cerca de três anos, mais ou menos dos onze aos quatorze. Nesse intervalo de tempo, li também a dos Terra-Cambará em O Tempo e o Vento, outras obras de Veríssimo e tudo quanto pudesse sobre cultura gaúcha, pela qual, aliás, tenho uma grande admiração até hoje. Em 1990, fiz uma viagem até lá - não às Missões, como teria gostado, mas à serra - e voltei apaixonada pelo lugar, como já era por sua literatura e folclore. Porém, a chave desse mundo, que tanto me fez sonhar, sempre esteve nas mãos de Ana Terra, com a qual me identifiquei desde a primeira leitura, embora fôssemos Anas muito diferentes uma da outra. Será por termos ideais parecidos, ou senso de clã? Ou será pela solidão que a personagem tinha dentro de si, por mais que estivesse cercada de pessoas, e que tanto se parecia com o meu sentimento de inadequação?

De qualquer forma, foi uma grande viagem a que se iniciou com Ana Terra - uma viagem da qual ainda não voltei. Hoje, escrevendo ficção, não acho que meu estilo lembre o de Veríssimo, mas que muitas vezes trechos de suas obras me vêm à cabeça, especialmente ao escrever cenas que envolvem sexo. Como ele, prefiro deixar as coisas insinuadas: acho que sofremos do mesmo pudor. E várias vezes me peguei em atos falhos, pondo no papel expressões e metáforas que saíram de Ana Terra e que me vêm naturalmente. Se não tomo cuidado, mais de um personagem meu acaba voltando para casa, como Ana, com a morte na alma. E isso é só para citar um dos casos mais flagrantes.

Por tudo isso, acho que deu para perceber como esse livro foi e ainda é importante para mim. Não tenho dúvida de que ele foi uma das melhores aquisições da minha bagagem, não só como leitora e escritora, mas em todos os sentidos. Correndo o risco de parecer naïve, fico feliz por Ana Terra começar com A: esse era o ponto de partida perfeito para as minhas memórias!

E a próxima etapa vai me levar de volta a uma das fontes do que hoje é o meu universo de fantasia. Espero que vocês estejam comigo!

Abraços a todos,

Até breve!

Ana Lúcia

Um comentário:

Gisele Landin Gerhardt disse...

Seu blog é um encanto!