terça-feira, abril 19, 2005

Dia do Índio, Centro do Rio

Oi, Pessoas. Como estão vocês?

Eu estou meio para o reflexivo, talvez um pouco mais ácida que de costume. Hoje é Dia do Índio, e todas as crianças (que estudam) vão voltar para casa com cocares de papelão e os rostos pintados. Da minha parte já contribuí comprando paçocas para o "lanche com comida indígena" e ajudando a Luciana a recortar figurinhas de revistas. Estas foram colocadas num mural onde, além das imagens, podem-se ler frases que dizem que os índios foram os primeiros habitantes do Brasil, que viviam em ocas e dormiam em redes e que viviam em harmonia com a Natureza.

As crianças são pequenas demais para entender a desarmonia que veio em seguida.

Eles eram cerca de 100 milhões no continente, 5 milhões no Brasil. As etnias e idiomas estavam na casa dos milhares. Se viviam ou não harmonicamente, não vem ao caso: viviam. E com toda a dignidade que era então possível.

Hoje, no Brasil, restam apenas 400 mil índios, cerca de 200 etnias e 170 línguas. Alguns vivem em reservas demarcadas, onde, mesmo assim, alguns grupos sofrem ataques e privações. Recentemente houve mortes por desnutrição. Boa parte dos grupos vive em permanente conflito com madeireiros e demais exploradores das reservas naturais; outros vivem se escondendo em pontos cada vez mais inacessíveis da floresta. Nunca me esqueço de uma dupla com quem foi feito contato há alguns anos: seus adereços eram feitos de sucata, eles tinham colares e pulseiras fabricados com garrafas de plástico PET. Mas os dois, um homem e uma mulher sobreviventes de um massacre, jamais haviam chegado perto o bastante para sequer serem vistos.

As ações do Governo e de outras organizações em relação aos índios variam em sentido e objetivo, mesmo as bem-intencionadas. Enquanto, por um lado, se investe no resgate de tradições e de línguas quase esquecidas, procurando integrar os indígenas à sociedade (por assim dizer) globalizada sem que sua cultura seja esquecida, por outro sertanistas como Sidney Possuelo afirmam estar convencidos de que a melhor forma de preservar a cultura e a própria vida dos índios ainda isolados - cerca de 55 grupos, segundo a estimativa da FUNAI - é permitir que eles continuem sem contato com o restante da sociedade nacional, ou seja, com a gente. Só assim eles poderão, pelo menos durante algum tempo, escapar de um outro tipo de isolamento, bem mais terrível: o da tribo de excluídos, multicor e multiétnica, que anda aos tropeções pelas ruas das grandes cidades.

.......

A TRIBO

Passei no Passeio
pelo meio
da tribo.
A tribo movente,
sem sorte,
sem dente.
A tribo sem eira nem beira.
Dos meninos velhos
que fumam e cheiram
e chupam os dedos.
Das meninas de filho no bucho
e bicho no pé.
A tribo que lava na chuva
e dorme na grama,
sem choro nem chibé.
A tribo sem pajé.
Sem fogueira no escuro.
Sem memória,
sem história,
sem futuro.
A tribo sem rango e sem oca
do Largo da Carioca.

.......

E a greve prossegue. Talvez por isso, tanto tempo para pensar e escrever bobagens.

Abraços a todos,

Ana Lúcia

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